Conquista Coletiva

Lula visita Paraná para anúncio de assentamento da Reforma Agrária, dia 29 de maio 

Agenda será na comunidade Maila Sabrina, em Ortigueira, local onde 400 famílias camponesas lutam há 22 anos pela efetivação do assentamento

Vitória da luta pela terra. Foto: Juliana Barbosa / MST-PR

Por Setor de Comunicação e Cultura do MST PR
Da Página do MST

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e ministros confirmam agenda no Paraná no próximo dia 29 de maio, quinta-feira. A visita vai oficializar a criação do assentamento de mais de 400 famílias na comunidade Maila Sabrina, localizada no limite entre os municípios de Ortigueira e Faxinal, na região centro-sul dos Campos Gerais do estado. A visita estava marcada para o dia 30 de abril, e foi adiada após a viagem de Lula ao funeral do Papa Francisco. 

A comunidade prepara uma grande festa para receber o presidente e celebrar a conquista, com churrasco comunitário e apresentação da Orquestra Popular Camponesa – formada por crianças, adolescentes e adultos integrantes do MST no estado. A atividade está prevista para iniciar às 9h e seguir ao longo da tarde. 

A conquista das famílias camponesas do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) chega após 22 anos de luta pela Reforma Agrária. A área de 10.500 hectares era conhecida como fazenda Brasileira e, antes de ser ocupada, servia para a criação de búfalos e estava em estado de degradação ambiental intenso. Hoje é território de vida digna para mais de 1.600 pessoas, com grande diversidade de produção, com cultivo de grãos, hortaliças, verduras e frutas, pequenas criações de animais e também produção orgânica. 

Foto: Francisco Proner

Quem expressa o sentimento coletivo é a companheira Jocelda Oliveira, da direção da comunidade:

A palavra que define hoje é emoção […]. Graças à luta e à resistência da comunidade e do MST, nós vencemos e hoje nós conquistamos nossa grande vitória que é o assentamento”

Comunidade camponesa consolidada

O início de construção da comunidade foi com a ocupação de uma pequena parcela do latifúndio, em 2003, batizada de acampamento Che Guevara. Em 16 de julho de 2005, com a ampliação do número de famílias, a ocupação avançou para a sede central da área. Já em janeiro de 2006, por decisão coletiva, a comunidade ou a se chamar Maila Sabrina, em homenagem a uma criança Sem Terra que faleceu no acampamento vítima de doença crônica. 

Imagem aérea da comunidade. Foto: Christian Marchiori da Silva

O trabalho coletivo e organizado das famílias acampadas transformou o território degradado em uma comunidade completa, com atendimento das necessidades e direitos da diversidade de pessoas moradoras. 

A educação é garantida no próprio local, com a Escola Itinerante Caminhos do Saber, que atende 200 estudantes e emprega 20 funcionários. As crianças que antes percorriam 40 quilômetros diariamente para estudar, hoje têm o à educação de qualidade em sua própria comunidade. As estruturas de madeira, o jardim e toda a escola foram erguidas pela própria comunidade. 

O trabalho em mutirão, a organização de recursos próprios e também com apoio das prefeituras de Ortigueira e Faxinal garantiram a construção de espaços comunitários amplos, para atender a demandas locais: salão e churrasqueira, quadra de esportes, Unidade Básica de Saúde (UBS), academia ao ar livre, campo de futebol, lanchonete, mercado e igrejas. 

Camponesas e camponeses da comunidade Maila Sabrina na Vigília Lula Livre. Foto: Valmir Fernandes

A comunidade também fez parte do período de resistência na Vigília Lula Livre, em defesa da inocência do presidente. “Além de ser uma conquista do povo da comunidade, é uma vitória do MST, uma vitória da democracia que tirou o Lula da cadeia e colocou ele como presidente”, garante Jocelda. Nas eleições de 2022, a comunidade comemorou o fato de ter 100% dos votos para Lula na urna local.

Jocelda de Oliveira, no centro da imagem, faz parte da direção da comunidade. Foto: Juliana Barbosa / MST-PR

A comunidade Maila Sabrina também é conhecida na região pela organização das maiores cavalgadas do estado. Realizada anualmente no início de maio e batizada de Cavalgada do Trabalhador, a última edição reuniu mil cavaleiros e amazonas, a maior parte deles do próprio território do acampamento. O percurso é de cerca de 8 quilômetros e a por dentro da comunidade. 

Foto: Juliana Barbosa
Foto: Juliana Barbosa
Cavalgadas da Trabalhadora e do Trabalhador mobilizam povo Sem Terra e comunidades vizinhas a celebrarem a data de luta da classe trabalhadora. Foto: Francisco Proner

Produção aliada à preservação ambiental: 21% a mais de floresta

No território, atualmente existe uma grande diversidade de produção de alimentos, com cultivo de grãos e hortaliças, verduras e frutas, e pequenas criações de animais (caprinos, bovinos, aves e suínos). A média anual de produção de frutas no acampamento é de cerca de 21 mil quilos; de grãos e cereais são produzidas 110 mil sacas, e mais toneladas de batata doce, moranga, quiabo e diversas verduras folhosas.

A fartura de produtividade na agricultura e da pecuária no acampamento, somada à organização e à solidariedade, garantiram várias ações de partilha de alimentos desde o início da pandemia da Covid-19, em 2020. A comunidade se somou à campanha nacional de solidariedade do MST, e partilhou centenas de toneladas de alimentos para comunidades urbanas da região e também de Curitiba. Para fortalecer as iniciativas, as famílias iniciaram uma horta comunitária de produção sem venenos, batizada de Centro de Produção Antônio Tavares.

A primeira doação foi em abril de 2020, com cerca de 14 toneladas de alimentos enviadas para comunidades da Cidade Industrial de Curitiba. Fotos: Lia Bianchini

Mudanças significativas ocorreram em função do trabalho desempenhado pelas famílias no território, como a substituição de áreas de pastagem degradadas por lavouras consolidadas e florestas. Isso é o que mostram dados obtidos junto ao Projeto MapBiomas no período de 2003 a 2023. No levantamento, é possível observar também a substituição da criação de bubalina extensiva, que levava ao esgotamento da biodiversidade e da saúde do solo, para o cultivo de múltiplas espécies de plantas com finalidades econômicas e de garantia à soberania alimentar. 

Em relação à vegetação, antes da chegada da comunidade em 2003, cerca de 3 mil hectares eram destinados a florestas. Em 2023, o tamanho da área sobe para 4,5 mil hectares, um aumento de 21% da floresta nativa. O crescimento da área florestal garante a manutenção da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos, como o sequestro de carbono e o controle do ciclo hídrico, fundamentais para frear a crise climática. 

Diálogo como caminho para solução de conflitos fundiários

O acordo para a criação do assentamento foi confirmado entre as partes no dia 27 de março deste ano, após dois anos de mediação feita pela Comissão de Soluções Fundiária do Tribunal de Justiça do Paraná. As negociações envolveram o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) estadual e federal, Ministério Público Federal e Estadual, Defensoria Pública, Superintendência de Diálogo e Interação Social (Sudis) e os proprietários da fazenda. 

Para o presidente da Comissão do Tribunal de Justiça, o desembargador Fernando Antonio Prazeres, a solução foi  “altamente positiva” e uma conquista de todos os órgãos envolvidos:

É a prova de que se você estabelecer condições adequadas para um diálogo profícuo, você consegue estabelecer soluções sólidas e que atendem os interesses de todos os envolvidos. A ideia nossa é de continuar nessa linha de trabalho, criar um ambiente adequado para esse tipo de conversa, e incentivar que elas mesmas construam esses acordos”. 

– Fernando Antonio Prazeres

O acordo confirmou a indenização dos proprietários e a extinção das ações possessórias. Com isso, não existe mais ameaça de despejo das famílias. Porém, mais de 7 mil famílias camponesas ainda vivem em acampamentos no Parará, em luta pela efetivação da Reforma Agrária.

Crianças brincam, estudam, plantam árvores e realizam trabalhos pedagógicos na escola. Fotos: Comunicação MST-PR

Questão fundiária e concentração da terra

Dados do Censo Agropecuário realizado pelo IBGE, de 2017, mostram que Ortigueira e Faxinal apresentam uma concentração fundiária considerável. As maiores áreas ocupadas pelos estabelecimentos rurais se concentram nos grupos com áreas maiores que 100 hectares, enquanto os estabelecimentos menores estão nos grupos com menos de 100 hectares.

Em Faxinal esses estabelecimentos representam 78,6% (422) do número total de 537 e ocupam 12,5% (aproximadamente 6 mil hectares) da área total, com cerca de 193 mil hectares. Em Ortigueira os estabelecimentos de até 100 hectares representam 88% (2.638) do número total (2.964) e ocupam 23,2 % (44.934 hectares) da área total, aproximadamente 48,5 mil hectares. 

Foto: Leandro Taques

O cálculo do índice de Gini é outro recurso que ajuda a compreender a desigualdade fundiária, quanto mais perto do valor 1, maior é a desigualdade no campo. A média do índice de Gini nos municípios do Paraná é de 0,688, sendo a mais alta de 0,915 em Adrianópolis (mais desigual) e a mais baixa 0,397 em Paranapoema (menos desigual). Ortigueira e Faxinal tem o valor acima da média do estado, 0,77, no primeiro e 0,789 no segundo. Os dados fazem parte do estudo técnico intitulado Comunidade Maila Sabrina, território consolidado: indicadores e análise, produzido pelo projeto de Planejamento Territorial e Assessoria Popular, da Universidade Federal do Paraná (PLANTEAR).

*Editado por Solange Engelmann